quarta-feira, 11 de março de 2009

Os Bantus

Tendo o privilégio de contar com três comunidades de culto bantus no seio de minha família, isso sem contar com as de Tata Minalê e Mina Munanguê entre outras.sinto-me felicíssimo da vida, pois estes foram os cultos que não deterioraram, os quais após cumprirem os seus objetivos silenciaram: “o saber morreu com seus donos”, a saber:
_Primeiro porque não fizeram sincretismo com os santos da Igreja Católica como ocorreu com os do norte e sul da África.
_Segundo porque não espalharam lendas sobre seus inkisses impossibilitando assim que os mesmos tornassem produto de lendas com interpretações duvidosas.
_Terceiro as pouquíssimas lendas que se tinha sobre eles estavam interligadas ao sistema universal, assim como as três fases da vida de Òşun (Seci, Kalomi e Kaluanda); as três fases da Lua; as três fases da vida, etc., todos unidos a Kizanza o Mar, Kitembu o Ar, Mbeji a Lua, Kiluanha ou Dikumbi o Sol, Dibia ou Mavu a Terra, Andomba a Sombra, e assim por diante. Da união destes pólos que se originaram os inkisses do povo bantu.
Não se pode deixar de citar um sincretismo obscuro iniciado quando os bantus absorvem parte da cultura e dos cultos de povos do norte da África.
Os povos do norte da África emigrados para o sul (os jejes, os fons, os ewes, os fantis, os ashantis, etc.) rotulados de nagôs, conseguiram implantar seus cultos primitivos no norte do Brasil, porém no nordeste tiveram que se aliarem aos bantus para poderem sobreviver culturalmente, e foi neste ponto que surgem as pouquíssimas lendas sobre os inkisses. E é neste contexto que surge Ògún de Ronda, que mais tarde silenciado daria o seu lugar para Ògún Já do povo jeje, tendo este mais tarde sendo confundido com Ògún Meje.
A história de Ògún de Ronda em alguns pontos se equipara com a de Orugan, filho de Yemaja e Oshala nos cultos sudaneses, pois ambas retratam a paixão e o desejo carnal. Em uma das histórias ou lendas, como preferirem, de origem sudanesa, Orugan (hoje Exu) filho de Oshala e Yemaja passa a ser considerado Deus da Fertilidade, da Libido, da Sexualidade, depois de possuir a força sua mãe Yemaja transformando-se assim no pai dos dezesseis ou dezessete deuses do Panteão Africano. Yemaja com todo o seu desespero, pavor, vergonha torna-se a mãe amorosa desses deuses e ao mesmo tempo esconjura e amaldiçoa o seu primogênito Orugan.
Enquanto que Ògún de Ronda em uma de suas lendas de origem congolesa, e estabelecido nos cultos dos kabulas (bantu) é filho de Vilamavumbi (Vila-Ma-Nzumbi), o Senhor dos Mortos e Mangana-Menha Ma Kianbote, a Senhora das Águas Doces.
Para que possamos entender um pouco sobre o inkisse Ògún de Ronda precisamos entender seus progenitores teogônicos.
Seci, Kalomi, Kaluanda assim é Iza-Kitala (Òşun) nas três fases de sua existência, sendo que, estas fases representam um todo, em todos os aspectos, diferente do que alguns zeladores contemporâneos e seus seguidores professam dando passagem, estadia ou a terra natal das divindades sudanesas como qualidade dessas mesmas divindades.
Para os bantus isto não existe. A existência é universal não importando se a lua é nova, cheia, minguante ou crescente..., lua é sempre lua. Ou seja, Seci, Kalomi, Kaluanda embora nas divisões de angola ela receba os codinomes de Cinda, Tambalacinda, Iza-Kitala, Rerê é uma só, simplesmente Òşun como é chamada pelos sudaneses. Olhando ainda através do sincretismo bantu sudanês temos Òşun como Kilumba Kizanza e Nga-Muhatu: A Filha do Mar e Senhora dos Rios. Um dos lamentos dirigidos a ela:
Kizanga (Kisanga) nua alôni
Sa aloni kaiangô ô
Ya Lôxun tanua lôni
Sa aloni kaiangô

O Lendário Ògún de Ronda

Diz a lenda, que Seci (Kaluanda, Kalomi) era madrinha e mestra de Vila-Ma-Nzumbi e que todos os dias ao cair da tarde ela surgia na beira do rio para instruí-lo sobre as coisas da vida, mas com o passar do tempo Vila-Ma-Nzumbi se apaixonou por ela, que por várias vezes o recusou, porém já conhecedor dos feitiços e mandingas e muito sagaz, e aborrecido com as constantes recusas dela, uma tarde em que estavam juntos, Vila-Ma-Nzumbi recorre a Kilundu Kitembu Mbundo, o Espírito Negro do Ar que faz a tarde escurecer, e o rio ficar revolto, acarretando assim grandes perigos para o retorno dela ao fundo do rio, a titulo de protegê-la ele se aproxima dela e a possui provocando com isso mais fúria nas águas do rio. Após a revolta das águas que abriu vários braços do rio, e passado o negrume da tarde, estabiliza-se a calmaria e Seci desperta do torpor na qual mergulhara, mas sente-se presa a terra, o calor lhe abrasava o corpo, ao perceber a parca presença de Kilundu e a satisfação transformada em perversão no rosto de seu protegido, e se sentido mulher e mãe, ela então em seu primeiro momento de ira e revolta ela desabafa proferindo as seguintes palavras:
Xé ixi kumbuka kiki, ngiji, e lanje kiá ndomba, kubanza kuala mueneué.
Tu jamais atravessarás estes rios, e nem tua sombra se refletirá sobre ele.
E continuou:
Bu ama menha a-um-loko kuala éie
Sobre estas águas maldito serás tu.
E desabafou:
Kukuata mutu xé, kuala kioso, kalunga mbe, kiami xitu kuta mbula kia kilulu, ixé, kima dilamba luê, izudidiku kié muene-muene eme.
Condenado serás tu por toda a eternidade, pois meu corpo conceberá a tua alma, e tu serás a praga que perseguirá seu próprio eu.
Segundo a lenda todas as manhas ela emergia do rio para cantar para seu filho Kifumbi Kijetu, O Guerreiro das Rondas, ou seja, Ògún de Ronda, como seria a vida dele sobre a terra. Este inkisse metade homem santo metade demônio. Sua morada é no meio das ruas, não precisando de casa para se abrigar, pois sua morada permanente é no meio das encruzas.
Quanto a Vila-Ma-Nzumbi diz a lenda, que ele foi absorvido pelas sombras negras do céu e viveu eternamente entre elas. Nas crendices dos cultos do Angola e algumas de suas facções não se alimentava qualquer que fosse o Exu em noites claras e não se colocava nem despachos e nem oferendas no meio das ruas, estradas, encruzilhadas ou caminhos, pois os exus não conseguiam receber, pois lá estava o Guerreiro das Rondas pronto para castigá-los, portanto com suas lanças, obrigando-os assim a viverem pelos cantos, sem terem condições de se aproximarem. Logo, todas as oferendas destinadas a qualquer Exu postas nestes lugares eram, são e sempre serão Ògún que as recebe.
Ògún de Ronda um legado da seita dos Kabula (ou maçonaria africana) para as facções do Angola, de certa forma foi extinto para dar lugar a Ògún Já e Ògún Şoroke, dos cultos ketu e jeje.
A seita Kabula e sua facção o Giro, começavam os seus rituais cantando para Ògún de Ronda assim:
Seu Ògún não é mê, é de iaiá
Já mandê na Bahia assentá
Já mande logodô levantá
Seu Ògún não é meu, é de iaiá}bis

Ògún de Ronda é de amoraciii
E katula vira inganga êê
Ele é xetruá ê
Obs. Tempos depois passaram a usar este mukumbi (cântico) para Ògún –de-Lê.

Ògún de Ronda já mandê rondá mariô
Ele vai pá ronda já mandê rondá mariô

Ògún, Ògún tatará
Tenha dó de mim
Tenha dó de mim tatará
Tenha dó de mim
Ou
Ògún, Ògún tatará
Kuina henda e eme
Kuina henda e eme tatará
Kuina henda e eme

Ògún de Ronda o eterno guerreiro, o encarniçado perseguidor dos exus, o eterno protetor dos mendigos e dos bêbados, alcoólatras, o juiz justo dos zombadores e profanadores. É um inkisse que requer muito cuidado, tanto na forma de cultuá-lo como em sua feitura, pois para tal tem que ser Exu escravizado por Ògún, tendo para tanto que assentar Òşun.
Não pode ser feito dentro de casa e nem permanecer o seu assentamento dentro de casa. Para a sua feitura é preciso muito conhecimento e prática, tem que ser tudo muito bem dividido, sem que a balança penda mais para um lado. Também tudo duplo do kele aos bichos, na maioria dos casos não é possível se fazer este inkisse sem se sacrificar para tal ato um cachorro, para se completar suas obrigações.
Suas ferramentas são: uma espada, uma lança e um obé-fará. Para suas vestes, do lado direito é uma roupa simples, do lado esquerdo em alguns lugares é cheia de nozes.
Suas comidas tanto podem ser as comidas comuns de Ògún, como os despachos feitos para os escravos e postas no meio da rua.
À Ògún de Ronda todos os exus prestam satisfação dos atos praticados durante o dia, e ele por sua vez, presta satisfação a quem de direito. Os filhos desse inkisse são destemidos e temidos, quando cuidam dele conseguem tudo que querem na vida, todavia quando não cuidam geralmente se acabam no meio das ruas. A maior parte dos filhos dele em tese carregam a maldição das águas, sendo que uns pagam quando jovens e outros quando velhos, mas no fundo são pessoas boas para se lidar.

sábado, 7 de março de 2009

A Semana do Povo que Cultuavam a Nação Angola e Suas Crendices

1.Segunda-feira: este dia era dedicado a Exu e embora eles no tivessem medo e sim respeito por ele, não emprestavam nada de uso pessoal, pois poderia ser usado para fazer bruxaria. Da mesma forma era com o dinheiro, eles diziam que o dinheiro era cruz e assim era impossível alguém apanhar dinheiro emprestado neste dia da semana que não fosse para batizá-lo e usá-lo como um amuleto pessoal e como forte arma para destruir seu próprio dono. Assim também era com os visitantes deles, mesmo os parentes eram recebidos e despachados com sal e cinza.
2.Terça-feira: não passavam pelo meio da encruzilhada em respeito à Ògún de Ronda, por ser ele dono das encruzas e o inkisse que responde por Ògún e Exu, o dono da metamorfose. Ogún de Ronda o rei, o deus dos exus e o dono dos frutos de ramas, que também eram proibidos neste dia de serem comidos, como não também os legumes de rama.
3.Quarta-feira: era o dia do fogo, logo não se emprestava nada que fosse originário do fogo. Guardavam este dia com muito carinho a Yansan e em muitos lugares não se acendia fogo, sendo tudo feito na terça-feira, conservando durante o dia e a noite sobre um grande braseiro que eles cobriam com areia para usá-lo, deste modo, na quarta-feira.
4.Quinta-feira: evita-se tudo que fosse buchada, tanto para comer, para se comprar, como para vender, ou mesmo para dar ou receber, porque a maior parte dos negros fazia almoço de miúdo no dia Xangô e assim eles estavam respeitando, e não evitando. Eles sabiam que podiam estar contraindo uma feitiçaria através deste material, porque Xangô foi mercador deste material (pelos que cultuavam o Angola e suas facções).
5.Sexta-feira: este dia continha o maior preceito e respeito possível, era dedicado a Oshala e por isso não batiam em criança, não varriam casa, não colhiam mato ou outra coisa qualquer. Não sacrificavam animais nem bichos peçonhentos. Muitos adeptos não tomavam banho neste dia. A maioria deste povo dedicava este dia as orações e jejum evitando assim o contato com qualquer coisa possível, e muitos ainda diziam “hoje é dia de Lembá, Deus de tudo e de todos”.
6.Sábado: dia de reuniões. Dedicado a trabalhos de magia. Todos estavam presentes para fazer sacudimento de possíveis males contraídos no meio da semana, então faziam comida para Egun como: verduras, legumes, arroz, feijão, enfim um pouco de tudo que tinham para comer para oferecer a Baba-Regun.
7.Domingo: o dia de todos, festa para todos. Este dia era deles. Eles sabiam que nada podia acontecer porque os inkisses tinham permitido que chegassem ao fim daquela semana, sem maiores novidades e isso graças a sua crença, a sua fé neles.
Além disso, tinham outras quizilas como:
_ Não passavam debaixo de cercas, corda de roupas, escadas, etc.
_ Não podiam ver enxada, faca, facão e foice, ou nada de corte com o gume pra cima.
_ Não davam uma topada que não falassem “Deus lhe salve”.
_ Suas roupas podiam ser remendadas, mas não permitiam que ficassem com nó.
_ Não permitiam que passassem com fogo em suas costas, etc.